Eliade, M.. Imagens e SÃmbolos
vb. criado em 09/09/2013, 23h13m.
frases escolhidas
a importância da imaginação como instrumento de conhecimento. A experiência imaginária é constitutiva do homem, tanto quanto o são a experiência diurna e as atividades práticas. Se bem que a estrutura da sua realidade não seja homologavel à s estruturas das realidades «objetivas», o mundo do imaginário não é «irreal». A imaginação revela estruturas do real inacessÃveis quer à experiência dos sentidos quer ao pensamento racional. /8/o simbolismo da ascensão significa sempre o rebentamento de uma situação «petrificada», a ruptura de nÃvel que torna possÃvel a passagem para um outro modo de ser; no fim de contas a liberdade de se «mover», isto é, ,de mudar de situação, de abolir um sistema de condicionamento. /8/
as múltiplas experiências poéticas e sobretudo as experiências do «surrealismo» (com a descoberta do ocultismo, da literatura negra, do absurdo, etc.) chamaram, em planos diversos e com resultados desiguais, a atenção do grande público para o sÃmbolo encarado como modo autónomo de conhecimento. A evolução em causa faz parte da reacção contra o racionalismo, /10/
ao restaurar o sÃmbolo nos seus tÃtulos de instrumento de conhecimento, não fez mais do que retomar uma orientação que foi geral na Europa até ao século XVIII e que é, além do mais, conatural à s outras culturas extra-europeias /10/
É extraordinário como de toda a espiritualidade europeia duas mensagens apenas interessem realmente aos mundos extra-europeus: o cristianismo e o comunismo. Ambos, de maneira diversa, é certo, e em planos nitidamente opostos, são soteriologias, doutrinas da salvação e portanto misturam «sÃmbolos» e «mitos» a uma escala que não tem semelhante senão na humanidade extra-europeia /11/
o sÃmbolo, o mito, a imagem, pertencem à substância da vida espiritual, que se pode camuflá-los, mutilá-los, degradá-los mas que nunca se poderá extirpá-los /11/
O pensamento simbólico (...) é consubstancial ao ser humano: precede a linguagem e a razão discursiva (...) o seu estudo permite-nos conhecer melhor o homem, «o homem sem mais», aquele que ainda não transigiu com as condições da história /13/
os monstros do inconsciente são também mitológicos, uma vez que continuam a desempenhar as mesmas funções que lhes pertenceram em todas as mitologias: em última análise, ajudar o homem a libertar-se, completar a sua iniciação /15/
Fascinado pela sua missão — ele pensava ser o Grande Esclarecido, quando afinal não passava do Último Positivista — Freud não podia dar-se conta de que a sexualidade jamais foi «pura», que ela foi sempre e em todo o lado uma função polivalente cuja valência primeira e talvez suprema, foi a função cosmológica; que traduzir uma situação psÃquica em termos sexuais não é de modo algum humilhá-la, pois, excepto para o mundo moderno, a sexualidade foi em todos os tempos uma hierofania e o ato sexual um ato integral (portanto, também um meio de conhecimento). A atracção experimentada pela criança de sexo masculino em relação à mãe e o seu corolário, o complexo de Édipo, não são «chocantes» senão na medida em que são traduzidos tal qual em vez de serem apresentados, comno se deve fazer, comno Imagens. Pois é a Imagem da Mãe que é verdadeira e não esta ou aquela mãe hic et nunc, como o deixava entender Freud. É a Imagem da Mãe que revela — e só ela pode revelar — a sua realidade e as suas funções simultaneamente cosmológicas, antropológicas e psicológicas /15/
as Imagens são, pela sua própria estrutura, multivalentes. Se o espÃrito utiliza as Imagens para aprender a realidade última das coisas, é justamente porque esta realidade se manifesta de uma maneira contraditória e por conseguinte não poderia ser expressa por conceitos. /.../ Traduzir uma Imagem numa terminologia concreta, reduzindo-a a um só dos seus planos de referência, é pior do que mutilá-la: é aniquilá-la, anulá-la como instrumento de conhecimento. /.../ No próprio plano da dialética da Imagem, toda a redução exclusiva é aberrante /16/
A mais abjeta «nostalgia» oculta a «nostalgia do paraÃso». Fez-se referência à s imagens do «paraÃso oceaniano» que povoam livros e filmes. (Alguém disse já que o cinema era urna «fábrica de sonhos»). Também se pode de igual modo analisar as imagens subitamente libertadas por qualquer tipo de música, por vezes até pela mais banal romanza, e logo se verificará que essas imagens revelam a nostalgia de um passado mitificado, transformado em arquétipo; que esse passado contém, além da saudade de um tempo desaparecido, mil outros sentidos: ele exprime tudo aquilo que poderia ter sido e não foi, a tristeza de toda a eXistência que só é quando deixa de ser outra coisa, o desgosto de não viver na paisagem e no tempo evocados pela romanza (sejam quais forem as cores locais ou históricas: «bons velhos tempos», Rússia das balalaicas, Oriente romântico, Haiti dos filmes, milionário americano, prÃncipe exótico, etc.); ao fim e ao cabo o desejo de qualquer coisa totalmente diferente do momento presente; em suma, do inacessÃvel ou do irremediavelmente perdido: o «ParaÃso». /16-17/
Livremo-nos de ir aà procurar o que, por exemplo, veio a ser o mito do ParaÃso Perdido, a imagem do Homem perfeito, o mistério da Mulher e do Amor, etc. Tudo isso entre muitas outras coisas, se encontra — e quão secularizado, degradado e maquilhado!... — no fluxo semi-consciente da mais terra-aterra das existências: nos sonhos acordados, nas melancolias, no livre jogo das imagens durante as «horas mortas» da consciência (na rua, no metro, etc.), nas distracções e divertimentos mais variados. Apenas, e para o repetir, este tesouro mÃtico reside aÃ, «laicizado» e «modernizado». Aconteceu a estas imagens, o que se passou, como Freud o demonstrou através de alusões demasiado cruas, com as realidades sexuais: mudaram de «forma». Para assegurar a própria sobrevivência as imagens tornaram-se «familiares». (...) toda uma mitologia, se não uma teologia, emboscada na vida mais «qualquer» do homem moderno /19/
Etimologicamente, «imaginação» é solidária com imago, «representação, imitação» e com imitor, «imitar, reproduzir». Desta vez a etimologia faz eco tanto das realidades psicológicas como da verdade espiritual. A imaginação imita modelos exemplares — as Imagens — reprodu-las, reatualiza-as, repete-as sem fim. Ter imaginação, é ver o mundo na sua totalidade. Pois o poder e a missão das imagens consistem em mostrar tudo o que permanece refratário ao conceito. Assim se explica a desgraça e a ruÃna do homem que «não tem imaginação»: ele está isolado da realidade profunda da vida e da sua própria alma. /20/
Quando se trata de uma obra poética mais livre, quero dizer, que depende mais diretamente da «inspiração», por exemplo os produtos do romantismo alemão, não temos sequer o direito de nos deter no que os autores pensavam das suas próprias criações para interpretar o simbolismo que aquelas implicam. É um fato, durante a maior parte do tempo, um autor não esgotar o significado da sua obra. Os simbolismos arcaicos reaparecem espontaneamente até nas obras de autores «realistas» os quais ignoram tudo acerca de tais sÃmbolos /25/
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